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Primeiro chão, primeira missa... o umbigo do mundo



Isso aqui é o umbigo do mundo! Onde a beleza tem muitas caras, cores e raças, misturas raras. Peles de abano com sangue indígena, olhos que brilham como esmeraldas. Caras mestiças de uma nova era, como o futuro que está chegando, sob o sol, no umbigo do mundo e todo mundo está sambando... isso aqui é o umbigo do mundo! É aqui o umbigo do mundo, poço sem fundo da imaginação, Deus e diabo entre o céu e o chão, salva e cidade, litoral, sertão, ondas sonoras, ritmo, paixão. Onde os amores se transformam em canção, onde as regras são exceção. Vida batida na palma da mão. Isso aqui é o umbigo do mundo! Fonte incessante de nova energia. Ponto de encontro entre o silêncio e o som. É o tempo que samba na voz de João, na nova batida que inventa a nação. Na beira da praia no eterno verão, na moça que passa na voz violão, no balanço da bossa de Vina e de Tom. Num rio de poesias, no mar de canções. Isso aqui é o umbigo do mundo! Ao som do mar e à luz do céu profundo. Fonte de esperança de uma nova vida. Pulmão de uma raça morosa e sofrida. Que canta e que dança e que veste de luz a força e a magia dos seus corpos nus, sob o sol, no umbigo do mundo. Essa é a batida que vem lá do fundo. Isso aqui é o umbigo do mundo! (MOTTA, Nelson. Umbigo do mundo. In: Daniela Mercury, disco Eletrodoméstico, 2003).



A letra da canção Umbigo do Mundo, usada como epígrafe, representa um imaginário turístico sobre Porto Seguro, delimitado pela ideia de possibilidade das várias ações, dos hibridismos culturais bem como pela ideia de permissividade. O município, neste sentido, torna-se um cenário mágico e paradisíaco ideal para a prática da flanerie capitalista temporária e comunitária, onde o então turista poderia realizar muitos dos seus desejos e fantasias, incluindo aqueles de consumismo, convivialidade ou mesmo de erotismo. Além de tudo isso, também está impresso nesse imaginário, a ideia de um povo bom, festeiro e receptivo. Assim, pode-se dizer que tal imaginário suscita a ideia de que, no município, parece ser possível a conciliação de todas as misturas, de todas as etnias, de todas as crendices, de todos os ritmos e de todas as tendências da contemporaneidade.


Nesse sentido, tem-se o umbigo do mundo, onde a moda cotidiana associa-se ao underground e as técnicas de preservação da natureza e do patrimônio local harmonizam-se com o consumismo do turismo. Em Porto Seguro, de acordo com o seu imaginário turístico, parece que os conflitos que, geralmente, conturbam centros capitalistas não interferem na organização social, embora grande parte da população autóctone perceba as novidades e as possibilidades de melhoria de vida promovidas pelo desenvolvimento tecnológico, mas sem experimentá-las. Tudo isso compõe uma representação imaginária sobre o destino, entre várias.


O imaginário desenvolve-se a partir das interações entre os fenômenos e ações sociais com as contextualizações feitas sobre esses fenômenos e ações, quando estas constituem processos comunicacionais, envolvendo a produção e a recepção de mensagens. Pela visão de Bignami (2002, p. 16), pode-se dizer que um imaginário sobre um local “é fruto do acúmulo de conhecimentos a respeito dele, decorrente de várias fontes e por meio de diferentes processos”. Assim, está-se apontando que os relatos e observações de escritores, ficcionistas, jornalistas ou quaisquer outros visitantes, ao se correlacionarem, corroboram para a produção de um discurso contextualizador de um local. Esse discurso vai se legitimar a partir das ideais que os receptores das comunicações formulam sobre o espaço e das práticas desenvolvidas neste espaço.


Como estabelece Foucault (2007), o discurso materializa-se pelas práticas culturais. Conforme pondera, em toda sociedade o discurso é organizado, selecionado e redistribuído a partir de procedimentos que têm por finalidade estruturar e maquinar seus poderes e perigos, na tentativa de controlar os acontecimentos sociais, definindo assim sua materialidade; ou seja, as formas como é percebido no ambiente social e como propõe sentidos ao lugar. O discurso existe na cultura de modo devidamente estruturado, a partir de perspectivas organizacionais. Estas funcionam como instâncias de delimitação, pois possuem intencionalidades que podem ser identificadas através do conjunto de signos estruturados em uma racionalidade tal, que permitem reflexões e apreensões de sentidos.


O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos; e, quando tudo pode, enfim, tomar forma de discurso, quando tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a propósito de tudo, isso se dá porque todas as coisas, tendo manifestado e intercambiado seu sentido, podem voltar à interioridade silenciosa da consciência de si. (Foucault, 2007, p.49)


É neste processo de construção de verdades que o autor identifica a concentração de perigos e poderes contidos no discurso, disseminados em modos de controle, classificações e delimitações, que acabam interferindo nas ações sociais. Portanto, as experiências coletivas praticadas em um local e as trocas culturais que dinamizam a sua história, evidenciadas em processos comunicacionais, portanto em discursos, implicam na construção do imaginário. Para Simões (1998), o imaginário corresponde a uma ótica resultante do horizonte de expectativa decorrente do universo cultural e vivencial que configura uma visão de mundo do emissor (o produtor da mensagem) e posteriormente do receptor. Portanto, a comunicação interfere na dinâmica do local atribuindo-lhe um sentido.


A produção do imaginário, desse modo, compreende um ciclo entre a história (os fatos observados), a interpretação da história (a atribuição de sentidos ao local a partir da observância sobre os fatos) e a reformulação da história (a nova concepção que os receptores das interpretações atribuem ao local, incluindo os próprios moradores). Pode-se perceber a formação do imaginário em três momentos consecutivos – Inauguração, Propagação e Legitimação – envolvendo a interação entre processos comunicacionais e práticas sociais.


No caso de Porto Seguro, está-se identificando como o primeiro momento, o da Inauguração, a Carta de Caminha, reconhecida como a primeira comunicação oficial sobre o local. No segundo momento, identifica-se esse imaginário a partir de processos comunicacionais voltados para a promoção e a propagação da atividade turística no município, sendo, então, o momento da Propagação. O terceiro e último momento aqui definido é o da Legitimação, que corresponde ao pensamento dos turistas sobre o local e às praticas turísticas ali evidenciadas. Entende-se que a conjunção desses momentos forma o Imaginário turístico de Porto Seguro, podendo ser percebido a partir da correlação dos discursos presentes na carta, em comunicações turísticas e em depoimentos de turistas.


Este movimento também tem fundamento em Foucault (2007) quando afirma que materialidade do discurso tem fundamento em procedimentos internos, compreendendo autor, disciplina e comentários, que correspondem ao processo de inauguração do discurso; procedimentos externos (interdição, segregação da loucura rejeição da palavra), que está vinculado ao processo de divulgação; bem como sistemas de restrições, envolvendo rituais da palavra, sociedades do discurso, grupos doutrinários e apropriações sociais, que permitem a legitimação do discurso.


Nesse sentido, considera-se a Carta de Caminha como o elemento que inaugura o imaginário sobre Porto Seguro, por representar, conforme propõe Sacramento (2001, p. 43) “a primeira e mais fundamental experiência do tempo, via subjetividade, diferente da dimensão coletiva ou social” sobre o lugar. Esse registro de memória completa a realidade local, atribuindo-lhe um sentido, problematizando fenômenos sociais que compunham a ambiência daquele local, naquele tempo, uma vez que esse documento corresponde a um instrumento que institui imagens dialéticas, que correspondem a sinais representativos de ideias pertinentes a um grupo cultural. Estas imagens se fundamentam por possibilidades operacionais e também por desejos, ansiedades e por necessidades individuais e/ou coletivas que ao serem projetadas em uma comunicação formam o imaginário sobre o fato observado, no caso, o município de Porto Seguro.


Ao detalhar aspectos naturais do local em que desembarcara bem como as edificações e comportamentos dos seres humanos ali encontrados, a partir de suas perspectivas e de sua reação à alteridade, Caminha, estabelece para o local a ideia de porto seguro livre das intempéries e das barbáries que comumente eram vivenciadas durante o processo de colonização. Segundo Bignami, (2002, p.79), “todo esse período foi marcado também pela busca de uma sociedade idealizada, utópica, a busca do paraíso, que se encontraria talvez em terras estrangeiras” Assim, a exuberância da natureza e os costumes do povo encontrado naquele porto contribuíram para a idealização do espaço ‘descoberto’ como o local do ‘se plantado tudo dá’ e do ‘se querendo tudo pode’.


Portanto, o discurso do escritor português é tanto constatativo (objetivo) quanto performativo (subjetivo), e desse modo a Carta de Caminha inaugura a substância ou essência imaginária sobre aquele espaço atualmente, delimitado político e geograficamente, município de Porto Seguro. Essa fase inaugural do imaginário pode ser observada através dos fragmentos do texto do português descritos abaixo, organizados em três tópicos, mostrando a concepção do emissor sobre a natureza, sobre o povo e sobre os costumes e a organização social.


A NATUREZA:


[...] Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa [...]. [...] Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem! [...]. [...] Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé! [...].


O POVO:


[...] A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam [...]. [...] Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim![...]. [...] E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram [...].


OS COSTUMES E A ORGANIZAÇÃO SOCIAL:


[...] E concordaram em que não era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que assim à força levavam para alguma parte dizerem que há de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens desses degredados que aqui deixássemos do que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende. Nem eles cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam quando cá Vossa Alteza mandar [...]. [...] Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção [...]. [...] E depois de acabada a missa, quando nós sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar pé [...]. [...] E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo todos tornar; e não quiseram que lá ficasse nenhum [...] [...] Terça-feira, depois de comer, fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa. Estavam na praia, quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar lenha e metê-las nos batéis. E lutavam com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer [...].


Os fragmentos da carta apresentados notificam a consonância da ideia inaugural sobre o local com atuais comunicações específicas para a promoção do turismo e com acepções de turistas. Esta coesão caracteriza o processo de incompletude textual, através da qual se compreende que o sentido dos enunciados está associado à codificação, presentes em seus comentários e práticas que configuram a sociedade do discurso, como propõe Foucault (2007). Contudo, não se pode desconsiderar a noção de que um discurso (inclusive este que se está apresentando) nunca é neutro, afinal, as reflexões sobre o contexto notificado apontam a subjetividade do emissor e, portanto, a sua opção ideológica, por isso todo discurso e incompleto.


A incompletude do texto, esclarece Sacramento (2001), estabelece-se pela intersubjetividade, levando-se em consideração que o texto compreende uma rede de relações e de ideias concentradas nele próprio, suscitando a necessidade da intertextualidade – cruzamento de ideias. E, a essa acepção da autora, acrescenta-se à rede das relações textuais a ideia de hipertextualidade, que vai se caracterizar, conforme Lévy (1998, p.33), por “um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens ou partes de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertexto”. Esses pressupostos (intertextualidade e hipertextualidade), contidos nos comentários de produtores e consumidores da informação, possibilitam o reconhecimento e o entendimento das imagens estabelecidas em um discurso como promotoras do intercruzamento de culturas, ao consentir o alongamento das ideias centradas no texto.


Essa elasticidade faz com que os elementos estabelecidos no discurso tornem-se imagens dialéticas. Portanto, o que legitima a Carta de Caminha como a fase inaugural do imaginário turístico no município de Porto Seguro é a verossimilhança do discurso do português como os discursos das comunicações contemporâneas voltadas para o estímulo do turismo no local e, evidentemente, as opiniões dos turistas que fazem menção às imagens da carta. Assim, quando estas comunicações delimitam o município como o local das mil e uma possibilidades de diversão, capaz de satisfazer aos mais variados gostos bem como o local da permissividade, onde parece não haver discriminações, rejeições e repressões, observa-se a intertextualidade destes com a carta. Nesse sentido, diz-se que as comunicações turísticas correspondem à fase da Propagação do imaginário sobre o destino Porto Seguro. Essa perspectiva pode ser constatada em diversas produções comunicativas:


Panfletos de eventos turísticos:




Os panfletos para festas são distribuídos diariamente em toda a cidade em locais fluxos de pessoas, especialmente nos espaços institucionalizados como turísticos. Jovens malhados e bonitos, às vezes performáticos, convidam os turistas a participarem dos eventos noturnos. Cada casa de show apresenta uma programação específica, porém todas enfatizam a mistura de ritmos e os jovens bonitos e descontraídos como principais atrativos.


Informações jornalísticas: Materiais de divulgação elaborados pela prefeitura municipal e pela empresa de Turismo do Estado da Bahia – Bahiatursa:



Com a natureza exuberante, boa estrutura turística e um povo receptivo e festeiro [...] Principal localidade da chamada Costa do Descobrimento, no litoral Sul da Bahia, ali em 1500, aportaram as naus da esquadra de Pedro Álvares Cabral. Em 2000, a Unesco elevou a região à condição de Patrimônio Natural Mundial. A cidade e seus distritos [...] se sucedem ao longo de 90 quilômetros de praias limpas e livres de poluição, algumas muito calmas e solitárias, outras fervilhantes e badaladas. Nessa faixa litorânea, o turista pode apreciar mangues, rios restingas, coqueirais, trechos de Mata Atlântica e formação de arrecifes. As famosas falésias de areias vermelhas, descrita na carta que Pero Vaz de Caminha escreveu à coroa Portuguesa, permanecem contemplando o mar. [...] (Um Porto Seguro para os sonhos. Na poltrona, revista de bordo do grupo Itapemirim. Ano 6, nº 81, julho de 2004.)



A paisagem descrita na primeira reportagem turística sobre a Bahia, há quase 500 anos, permanece deslumbrante e praticamente inalterada em toda a Costa do Descobrimento. O ilustre “jornalista” português, Pero Vaz de Caminha [...] encantado com a paisagem, escreveu ao rei contado em detalhes os encantos do país descoberto. Relaxar é palavra de ordem para quem chega a este lugar paradisíaco, e nada melhor que um mergulho revigorante em uma de suas belas praias, pra começar. A noite em Porto Seguro começa inevitavelmente na Passarela do Álcool. Aí, dezenas de barracas decoradas com arranjos de frutas vendem os mais variados coquetéis de frutas e “capetas” [...]. O comércio tem um horário atípico, muitos shoppings e lojas de artesanato funcional até meia noite. A noite continua na orla com reagge night, festas e músicas ao vivo na maioria dos restaurantes e barracas de praias, que promovem luaus em diversos dias da semana[...]. (Porto Seguro, Território livre do lazer. Bahia Terra da felicidade. Produzida pela Bahiatursa).




Quem conhece Porto Seguro hoje percebe que não foi por obra do acaso, que em 1500 os portugueses desembarcaram numa das regiões mais privilegiadas do Brasil [...]. Com o passar do tempo esse verdadeiro presente dos céus foi sendo lapidado até se transformar em um dos mais importantes pólos turísticos, que aos poucos vai sendo redescoberto também por visitantes de diversos cantos do mundo [...]. Diversos equipamentos completam a infraestrutura colocada à disposição do turista, como as bem montadas cabanas de praia para oferecer, conforto, diversão e muita alegra a nossos visitantes. [...] são inúmeras as opções de lazer, com roteiros ecológicos, passeios de escuna e alternativas super especiais como o Litoral Sul, que inclui o arraial D’Ajuda, Trancoso e Caraíva, com suas praias paradisíacas e excelente culinária [...]. É por essas e outras que as pesquisas de opinião indicam que mais de 90% dos turistas que já conhecem Porto Seguro desejam voltar. Quem não conhece, alimenta o desejo de um dia conhecer a terra abençoada onde tudo começou. (Porto Seguro: só falta você. Seja bem vindo! E descubra porque desde 1500 Porto Seguro encanta tantos turistas. Porto Seguro total. Secretaria Municipal de turismo e desenvolvimento Econômico de Porto Seguro/BA. Ano I, nº 01, janeiro/2004.)




A atmosfera mágica que envolve e encanta os visitantes hoje é a mesma que encantou os portugueses em 1500, nos primeiros contatos com a terra e seus primitivos habitantes. [...] o Sítio Histórico da cidade Alta de Porto Seguro – Cidade Monumento Nacional é um dos primeiros núcleos habitacionais do Brasil. Durante o dia, o visitante entrega-se aos prazeres das praias, cavalgadas, caminhadas, passeios no mar ou na mata. A vida noturna é animadíssima. A programação começa na Passarela do Álcool e continua nas barracas da praia e casas noturnas até a madrugada. As vilas de Arraial Trancoso e Caraíva e a Aldeia Pataxó de Barra Velha são visitas obrigatórias ao paraíso [...]. (Costa do descobrimento. Descubra porque desde 1500 não para de chegar gente aqui. Bahiatursa, 2000)


Livro intitulado ‘Descubra Porto Seguro: Terra Mater do Brasil’ (Box 6) do jornalista autóctone, Fausto Rodrigues.


‘Descubra Porto Seguro’ traz uma cronologia histórica oficial do município, enfatizando-o como ponto inicial da civilização brasileira. O livro é dividido em seis partes informações sobre a viagem de Cabral, características do município, enfatizando festas e natureza. Na quarta e quinta parte ele apresenta lendas e poemas relacionados a Porto Seguro e por fim, Almeida faz um relato da festa dos 500 anos do Brasil no município, apresentando fragmentos do discurso do, então, presidente da república, Fernando Henrique Cardoso bem como críticas dos pataxós à igreja católica. O autor apresenta uma relação dos monumentos históricos, que, segundo ele, constitui-se como forma de preservação da história.


Ao fazerem menção à Carta de Caminha, mesmo implicitamente, os textos apresentados podem conduzir o público a idealizar o município e a Costa do Descobrimento (que já não mais podem ser desvinculados nos espaços comunicacionais) com imagens semelhantes àquelas que compõem o imaginário do primeiro escritor oficial. Essa constatação reflete que a propagação de um imaginário está vinculada a imagens já conhecidas historicamente, que, ao se repetirem nos discursos dos interlocutores, permitem a contextualização de um local, que se dá a partir do processo de aceitação, interiorização e reformulação dessas imagens sempre pré-estabelecidas, por isso, dialéticas.


Essa verossimilhança entre as comunicações apresentadas e a carta de Caminha, caracteriza o processo de intertextualidade entre esses discursos. Processo este que permite a compreensão de que as comunicações turísticas não estão instaurando novos sentidos para o município de Porto Seguro nem para a Costa do Descobrimento, uma vez que as imagens que compõem os textos apresentados encontram-se já estabelecidas anteriormente no primeiro discurso oficial sobre aquele local. Nesse sentido, a carta de Caminha comporta-se como suporte a esse imaginário turístico contemporâneo.


Assim termos como ‘descubra porque desde 1500 não para de chagar gente aqui’, utilizada como chamada do folder produzido pela Bahiatursa; ‘Terra Mater do Brasil’, subtítulo do livro escrito por o jornalista local, e ‘terra abençoada onde tudo começou’, que fecha a chamada do jornal produzido pela prefeitura municipal, sugerem ao leitor uma ligação com o momento histórico da descoberta, narrado na carta. Termos como ‘atmosfera mágica’, ‘exuberância da natureza’, ‘praias de águas límpidas e transparentes’, ‘praias limpas e livres de poluição’ e ‘Parque Ecológico do Santuário cuidadosamente desenhado pela natureza’ desencadeiam ideia sobre a natureza semelhante à de Caminha, sinalizando a natureza como espaço exótico e preservado.


Em alguns casos, como no periódico ‘na poltrona’, esta associação é feita clara e diretamente, a exemplo do momento no texto referente às falésias de areia vermelha, quando o emissor utiliza como referencial a descrição feita por Caminha. Como propõe Foucault (2007) tudo isso corresponde a reverberações do discurso instituído por Caminha e que coopera para a formação de sociedades do discurso, produzindo sentidos sociais e com isso, identidades culturais. Por isso, essas comunicações têm força de atração turística. São discursos instituídos fundamentados na história, imaginário popular e se atualizam com práticas cotidianas, associando as novidades à memória coletiva.


Com sua descrição sobre a nudez e a perfeição dos corpos dos nativos bem como a descrição das danças e da passividade dos mesmos, Caminha inaugura, para os atuais residentes no município, o status de sensuais e liberais e de povo receptivo e festeiro. Esse status pode ser constatado junto a panfletos de divulgação das festas locais, como o referente ao Eco-parque do Arraial d’Ajuda. Portanto, as ilustrações que evidenciam os corpos em bom estado físico e com poucas roupas propagam a verificação do escritor português.


Pode-se inferir também que no panfleto de divulgação da cabana ‘Alcatraz’ há a noção de uma festa caracterizada pela permissividade, quando o anúncio convida ao público a descobrir o que acontecerá no local. Além disso, nas duas comunicações, estão evidenciadas as misturas de ritmos que apontam para a aceitação de várias tendências musicais, sugerindo a interação de várias tribos, apontando para hibridismos culturais (CANCLINI, 1998).


A intertextualidade entre a carta de Caminha e as comunicações turísticas apresentadas compõe uma espiral de imagens representativas do destino Porto Seguro e Costa do Descobrimento utilizadas por agentes que atuam no processo de construção da imagem do local, que, na maioria das vezes, utilizam apenas esse imaginário de paraíso ecológico e local da permissividade como fator de divulgação do turismo. Imaginário este que não permite ao interlocutor visualizar aspectos outros, principalmente, os aspectos malditos da dinâmica cotidiana do município, propondo, portanto, a construção de uma ‘ilusão referencial’ sobre o destino.


Contudo, deve-se ressaltar, com Bordenave (2002), que essa ilusão referencial, não necessariamente, é resultante da intencionalidade dos meios em perpetuar as intenções contidas no documento português. Por um lado, deve-se considerar que não existe condição de se evitar uma construção seletiva da sociedade, pelos meios de comunicação, levando-se em consideração a impossibilidade de abranger toda a complexidade social em um único espaço comunicacional. Por outro lado, a própria seleção dos fatos, pelos produtores, autores e jornalistas, evidencia alguns aspectos mais relevantes, que traduzem e transmitem uma realidade, tornando-se um fator de mediação entre a totalidade dos aspectos locais e a imaginação das pessoas.


[...] os médias fazem um papel de mediação entre a realidade e as pessoas. O que ele nos entregam não é a realidade, mas a sua construção da realidade. Isto é, dá enorme quantidade de fatos e situações que a realidade contém, os meios selecionam só alguns, os decodificam à sua maneira, os combinam entre si, os estruturam e recodificam formando mensagens e programas, e os difundem, carregados agora de ideologia, dos estilos e das intenções que os meios lhes atribuem (BORDENAVE, 2002, p.80).



Assim sendo, pode-se dizer que os discursos dos meios de comunicação sugerem uma construção social do local, podendo ser considerada como uma estratégia de identificação cultural e interpelação discursiva de que fala Bhabha (1998), apontando e delimitando as suas formações culturais a partir da consignação, negação, transformação, invenção e transmissão das estruturas funcionais e das experiências humanas como fluxos culturais que permitem, então, a idealização do local.


As imagens contidas nas comunicações demonstradas traçam fronteiras culturais do município de Porto Seguro, estabelecendo, o que Hannerz (1997) compreende como ‘limite cultural’. Essas propagações sugerem ações que podem comportar-se como experiências fantasiadas, delimitando desejos e fantasias. Isso pode implicar na consolidação de um discurso hegemônico sobre o espaço, que dificulta a divulgação de discursos outros sobre a história e atual dinâmica do município. Desse modo, essas comunicações podem causar várias ilusões referenciais a turistas, residentes e a empresários, considerando suas perspectivas.


Nesse sentido, observa-se com Debord (1997), que essas produções imagéticas constituem o processo de espetacularização da cultura, que imputa aos sujeitos envolvidos uma consciência tal (ou falta de consciência), que o espetáculo torna-se parte da sociedade delimitada por uma visão de mundo que se objetivou. Para o autor, o espetáculo simultaneamente representa o resultado e o projeto de um modo de produção existente. Assim, as comunicações apresentadas neste estudo representam um modelo atual de vida existente no local, de modo que sua sociedade torna-se uma unidade compartimentada em realidade e imagem.


Por outro lado, acredita-se que quando turistas confrontam os discursos das comunicações com as suas experimentações do local, podem emergir várias e divergentes concepções referentes àquele espaço idealizado, concepções das quais podem apresentar diferentes significados sobre o local. Hall (2003) entende que essas diferenças de significados existem em decorrência das diferenças culturais e dos significados que cada signo icônico veiculado pelas médias representam nas sociedades, definindo níveis diferentes de conotação do signo visual.


Apreende-se junto à opinião de turistas a legitimação da mensagem evidenciada a partir da intertextualidade entre as comunicações turísticas e a carta de Caminha. Não é difícil, portanto, conceber esta conexão como fator constituinte de um hipertexto turístico, através do qual muitas outras acepções podem surgir. Por exemplo, em depoimentos de turistas ao mesmo tempo em que há a legitimação do imaginário, há também insatisfações com a estrutura urbana, com as práticas turísticas e com as políticas públicas de organização da atividade. Assim, é possível apontar para reformulações de práticas locais e de discursos.


Essa terceira fase da formação do imaginário (Legitimação) tem como representação depoimentos de turistas sobre Porto Seguro, coletados no Caderno de Opiniões do Centro Municipal de Informações aos Turistas. Nos registros, estão descrições sobre práticas no lugar, experiências, reclamações e sugestões. Essas opiniões foram coletadas durante o período de 07 a 14 de janeiro, pelo método intencional não probabilístico por julgamento, cujo critério de seleção dependia da disponibilidade de acesso ao caderno bem como da originalidade das opiniões, visto que, muitas vezes, estas eram repetitivas, acentuando apenas descrições do local como um espaço paradisíaco, confirmando, apenas, o discurso de Caminha e das comunicações turísticas.


Foram coletados ao todo dezesseis depoimentos, dos quais oito (que estão demonstrados abaixo[1]) começam descrevendo o espaço com expressões de encantamento, acentuando necessidades de melhores organização e infraestrutura.


Porto Seguro é uma cidade turística bonita. Com clima agradável e uma cultura rica. Tenho muitas coisas para desfrutar aqui e espero levar para minha cidade, que também é belíssima, muitas recordações agradáveis. (turista, Pernambuco).


A cidade é tudo de bom. Mas falta mais organização (limpeza) e as agências monopolizam demais os passeios. Quem está na ala norte não fica sabendo dos movimentos da ala sul. Muita prostituição infantil explorado por turistas (turista, Minas Gerais).


A cidade e as praias são lindas e tem tudo para atingir o mercado internacional. Infelizmente a cidade ainda é precária na limpeza, por exemplo, os banheiros dos restaurantes são sujos e muitas vezes a descarga dos vasos está quebrada. Trabalho com turismo na Itália e espero mandar muitos turistas para esta cidade, mas espero também uma melhoria (turista, Itália).


Adoro Porto Seguro. Venho ano sim outro não e não entendo porque até hoje não se construiu uma ponte. É uma vergonha. O país todo visita esta cidade e esta balsa é uma vergonha. Um espelho de quem governa (turista, São Paulo).


Apaixonei por Porto Seguro. Pessoas humildes, mas coração muito bom. As pessoas não merecem ser esquecidas. Tem que haver um meio de vida melhor. O governo precisa deixar o dinheiro girar aqui, cuidar do povo d’aqui como gente (turista, Minas Gerais).


Região muito bonita, cidade muito agradável, mas falta o básico. Andando pelas ruas, encontrei entulhos, lixos e muito buraco. Nas ruas e nas calçadas. Eu vim aqui só como turista e quem mora aqui vai ficar no abandono até quando? (turista, são Paulo).


A cidade é fantástica. Só precisa abaixar os preços das conveniências, pois é a maior exploração, principalmente acerca dos guias turísticos (turista, Minas Gerais).


A cidade é linda e com uma boa estrutura. Porém os responsáveis pelo turismo deveriam dar atenção especial e cuidar melhor deste patrimônio e também preservar/cuidar melhor da limpeza da cidade, colocando lixeiras ao longo de toda a orla marítima. O que me chamou a atenção foram os altos preços cobrados dos turistas. Até mesmo para estacionar os veículos na praia estamos sendo cobrados. Isso espanta o turista!!! (turista, Rio Grande do Norte).


Confirma-se a presença do imaginário inaugural e propagado sobre o município e também outras extensões textuais, que não estão evidenciadas nas comunicações turísticas, mas que apresentam uma verossimilhança com o discurso de Caminha quando sugere ao rei que envie, àquele local, clérigos para catequizarem os nativos. Portanto, as sugestões de melhoria na infraestrutura urbana da cidade de Porto Seguro representam expectativas do turista de melhoria para o local, de modo a atender melhor os seus desejos e anseios. O turista pensa a cidade para si, afinal, a melhor organização do destino significa mais conforto, mais comodidade e mais segurança para o estrangeiro.


Entende-se, então, que os discursos comunicacionais, quando conectados à imaginação do interlocutor, orientam os sentidos e significados dos locais contextualizados. Assim sendo, a comunicação vai fomentar o espaço como uma entidade identificável capaz de proporcionar a concretização ou expansão da fantasia. Contudo, a experimentação do espaço cria possibilidades para o receptor escrever uma história própria sobre o local, caracterizando a constituição de um sistema hipertextual, afinal, a idealização do município é permitida a partir de interconexões das imagens apresentadas sempre por experiências anteriores transmitidas (retomando que nenhum discurso é neutro). Portanto, o hipertexto é também forma de reverberação do discurso, correspondendo a um conjunto de ações humanas, pensamentos, perspectivas e sensações individuais ou coletivas que também podem eles mesmos ser hipertexto.


As informações textuais completam-se e reproduzem-se associadas à vivência e às informações contidas no imaginário das pessoas. Esse processo refere-se à construção do espaço, ou melhor, a uma meta-construção da estrutura do urbano e do próprio cidadão que o dinamiza. Assim sendo, aponta-se que as imagens delimitam as informações da narrativa, mas também proporcionam ao observador um ambiente ideal para se evadir e dar continuidade ao texto sob sua perspectiva, quando este passa a experimentar o espaço (por isso são imagens dialéticas). Assim pensa-se que a comunicação turística deve buscar cada vez mais a interatividade dos sujeitos envolvidos na atividade.


De algum modo, essa superdimensão hipertextual vai contribuir para a promoção da dinâmica dos locais, que vão eles mesmos continuamente modificarem-se em suas relações sociais e econômicas a partir de mensagens institucionalizadas, dando origem a outros discursos e, consequentemente, a outras práticas sociais. Para Hall (2003), essa forma discursiva tem uma posição privilegiada na troca comunicativa, considerando-se a circulação da informação e que os períodos de ‘codificação’ e de ‘decodificação’, apesar de apenas ‘relativamente autônomos’ em relação à totalidade do processo comunicativo, são momentos determinados.


Isso implica que essa produção do imaginário pode gerar perspectivas diferentes entre residentes, empresários e turistas, considerando que estes correspondem a grupos culturais diferentes que têm perspectivas peculiares, e que, talvez por falta de estratégias políticas voltadas para a organização da atividade, podem gerar conflitos de interesses. Afinal, baseado no imaginário que aponta Porto Seguro como um local mágico e paradisíaco, residentes e empresários tentam explorar economicamente turistas, enquanto esses podem entender o local apenas como centro de permissividades.


Essas divergências de perspectivas, acima apontadas, podem ser identificadas nos oito restantes depoimentos coletados no Caderno de Opiniões do Centro de Informações Turísticas da Prefeitura Municipal, descritos abaixo[2].


Acreditamos que a cidade merece mais atenção no que conta à infraestrutura. A cidade histórica deveria ser cobrada uma pequena taxa, mas com melhorias no jardim, banheiro, lugar para lanche assim como na Passarela do Álcool. A história do Brasil deveria ser melhor explicada através de placas. (turista de São Paulo)


Achei uma roubada visitar a cidade histórica. Um guia que nos acompanhou por 45 minutos no local nos cobrou R$ 50,00 (cinquenta reais) por pessoa, dizendo que era credenciado. Discutimos e terminou em R$ 25,00 (vinte e cinco reais) por cinco pessoas que estavam no carro. Por favor, colocar tabelas porque, se não, não voltarei e não recomendarei tal passeio” (turista, Minas Gerais).


Na minha opinião, várias medidas devem ser tomadas urgentemente: 1ª) os guias do trevo (trevo do Cabral) são verdadeiros marginais que perseguem os turistas e atrapalham os empresários; 2ª) limpeza e urbanização da cidade e das praias; 3ª) conscientização dos moradores e dos comerciantes para não praticarem a exploração de preços com os turistas (turista, São Paulo).


Porto Seguro é um espelho de como os nossos políticos pensam o turismo. A atividade turística que poderia ser um polo de trabalho, torna-se uma ação propícia à exploração e à alienação. Mas parece que não é interessante que o povo tenha trabalho e não conheça as belezas e a história do nosso país, pois ia mexer com seus interesses (turista, Rio Grande do Sul).


Os hotéis e principalmente as muitas pousadas existentes em Porto Seguro e em Arraial d’Ajuda não possuem informações sobre a programação turística da cidade. Francamente sugiro urgentes providências nesse sentido. A Secretaria de turismo não está investindo no futuro. A meu ver, a fonte de turismo não passará poucos anos de vida. Precisam urgente repassar informações a todos (turista, Minas Gerais).


A cidade cresceu em hotelaria, gastronomia e desenvolvimento local. Gostei da fiscalização nas praias, no centro e da organização dos guias de turismo (só não gostei dos preços dos guias, estão muito altos) (turista, Rio de Janeiro).


Viemos para cá em nosso próprio veículo e quando planejamos nossa viagem, não conseguimos um mapa da cidade através da internet. Nos sites da região, encontramos vasta publicidade de hospedagem, mas o mapa que era o mais importante não estava lá (turista, Espírito Santo).


A infraestrutura não é das melhores. Porto Seguro se vale de lindas praias e esquece das bases e, principalmente, que existem brasileiros vindo par cá. O que acaba acontecendo é que tudo tem o triplo do preço por causa dos estrangeiros e se torna uma cidade para estrangeiros, muito caro. Preços exorbitantes nos afastam, não se esqueçam, moramos também aqui (turista, Brasília).


Pode-se dizer que os depoimentos acima completam a superdimensão hipertextual produzida pela correlação ente o imaginário propagado pelas comunicações turísticas e a experimentação do local, ratificando a ideia de que esta correlação promove a acepção de um novo discurso, de uma nova observação ou, usando o termo de Lévy (1996) um novo ‘nó’ de conexão. No entanto, os estímulos produzidos pelas comunicações são tão evidentes que, segundo dados da Embratur, Porto Seguro é o segundo destino mais procurado na Bahia e o quinto mais procurado no país. Apesar de todos os conflitos sociais, principalmente, aqueles vivenciados por turistas, de acordo com dados da Bahiatursa, o município teve, na década de 1990, a cada, ano a taxa de visitação aumentada.


Esse ciclo – propagação do imaginário de Caminha/aumento do fluxo de visitações/conflitos sociais locais e reclamação de turistas – constitui-se como parte do processo dialético autotransformador da cidade e é também responsável pelas transformações em sua dinâmica. Assim, as observâncias dos turistas sobre aspectos degenerativos do espaço urbano não marca o fim do turismo em Porto Seguro, mas caracteriza-se, de acordo com Bhabha (1998), como um ‘entre-lugar’ da atividade no município, exigindo uma nova leitura da atividade no local e dos processos comunicativos sobre o local.


Compreende-se que esse tempo de ‘entre-lugar’ representa perfeitamente um ‘nó’ de conexão dentro da superdimensão hipertextual discursiva que compõe a narrativa turística, dando continuidade ao hipertexto característico do setor. E a cibercultura está evidenciando novas práticas econômicas e interativas ao turismo, propondo releituras da cultura turística, a partir da apropriação de imaginários, ressignificação dos espaços e promoção de novas práticas culturais. Assim, colabora para dinâmica do centro receptivo ao mesmo tempo em que evidencia suas potencialidades e complexidades do lugar.





[1] A transcrição foi feita na íntegra, não sendo realizadas correções ortográficas nem gramaticais.


[2] A transcrição foi feita na íntegra, não sendo realizada correções ortográficas nem gramaticais.





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Sobre o autor:

Moabe Breno Ferreira Costa é graduado em Comunicação Social, pela UEPB, mestre em Cultura e Turismo (UESC-UFBA) e faz doutorado na UFRN –bolsista CNPq. É também professor universitário e tem mais de dez anos em experiência com comunicação institucional.

 

Currículo Lattes:

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4734564U1

sobre o Livro:
 

O Livro ‘Tecnologia, Cultura e Turismo: perplexidades e complexidades de Porto Seguro-BA na era da cibercultura’ busca entender a cultura turística, discutindo temas como virtualização e metamorfoses sociais e tecnológicas; apresenta uma associação entre turista e flâneur benajaminiano, além de uma noção de turismo cyberpunk, trazendo abordagens sobre raves, música eletrônica, ciber-moda. Há também uma análise de sites de empreendimentos turísticos e uma sugestão de construção da cidade virtual turística.

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